“Independência ou morte!”, bradou Dom Pedro I às margens plácidas do Rio Ipiranga...
os eventos que culminaram com a proclamação de nossa independência em 1822 podem não ser totalmente verídicos. Não importa.
Para um estudante do ensino médio no início dos anos 1980, experimentar a fantasia de que um imperador-herói decidiu colocar um fim à serventia do Brasil a Portugal precisava ser vivida com todo o seu potencial. E ela foi vivida.
As memórias do 7 de setembro são ainda mais cristalinas para este autor quando ele tinha seus 10 anos, cursando o Colégio Salesiano Santa Teresinha, na zona norte paulistana. Tudo porque os desfiles da Independência promovidos pelas Forças Armadas eram maravilhosos (com direito a enormes bandeiras e cataventos em verde-amarelo) e porque eu sabia que iria conferir um filme já bem antigo – ainda mais antigo pelos padrões de uma época em que nem sequer existia um aparelho de videocassete.
“Independência ou Morte”, dirigido pelo paulista Carlos Coimbra (1927-2007) foi exibido pela primeira vez nos cinemas em 1972. Quando ele passava na TV, ninguém ligava que ele já tinha uma década.
Eu amava.
Esperava ansioso pelas tardes do feriado para ver Tarcísio Meira como Dom Pedro I peitar os portugueses. Na visão de um garoto, o longa parecia um verdadeiro épico para os nossos padrões – e ainda apresentava, ironicamente, a esposa real de Tarcísio, Gloria Menezes, como sua amante, a Marquesa de Santos. Por sua vez Kate Hansen, interpretou a mulher de Pedro I, a imperatriz Leopoldina da Áustria enquanto outro lendário ator brasileiro, Dionísio Azevedo (1922-1994) deu sua versão para José Bonifácio.
Em 7 de setembro de 2022, a Independência brasileira irá comemorar dois séculos. Eventualmente, algum canal deverá exibir o filme. Ainda mais no momento em que seu protagonista não estará mais presente para rever seus feitos na pele de Pedro de Alcântara.
Tarcísio Pereira de Magalhães Sobrinho completaria 86 anos no próximo 5 de outubro. Ao contrário do que muitos imaginavam, as duas doses da vacina recebidas por ele não foram capazes de livra-lo dos efeitos da covid-19. Sua mulher por 59 anos – a Marquesa de Santos do nosso “Independência ou Morte”, também está doente pelo mesmo motivo.
Esse pensamento será inevitável nos próximos momentos e será desprezível recordar que a morte de Tarcísio foi apenas uma “rara” baixa na estatística de quem se vacina contra o vírus de Wuhan.
Clichês e termos negacionistas irão ecoar pelas margens de outros rios, bem além do Ipiranga.
Escrever sobre um ídolo nacional quando ele parte também é um clichê, mas ele não pode ser ignorado quando falamos de Tarcísio Meira. Por décadas, o ator paulistano foi considerado a figura máxima de nossa teledramaturgia.
Além do meu favorito “Independência ou Morte”, o galã que seguia os padrões internacionais de Gregory Peck, Clark Gable e outros gigantes atuou em mais 19 longas, entre eles, “Eu Te Amo” e “O Beijo No Asfalto”.
O sucesso no cinema, por um lado, sempre foi território para os adultos daquela época.
O Tarcisão para o grande público brilhou mesmo nas novelas e séries de TV, onde estreou em 1959. Na década de 70, acostumou-se a emendar sucesso atrás de sucesso: “Escalada” (1975), “Saramandaia” (1976). “Espelho Mágico” (1977) e “Coração Alado”(1980).
Os anos 80 foram um repeteco estelar: “Brilhante” (1981), “Guerra dos Sexos” (1983), “O Tempo e o Vento”, Roque Santeiro, “Grandes Sertões Veredas” (1985) e “Tieta” (1989).
Não foi um lapso deixar “Roda de Fogo” (1986) para o fim. A telenovela de Lauro César Muniz tomou conta da audiência do país, graças a Tarcísio e seu impecável Renato Villar, um empresário inescrupuloso que agia com maravilhosos requintes de crueldade.
Em seus 84 anos interrompidos hoje, 12 de agosto de 2021, Tarcísio Meira colecionou muito mais sucessos do que fracassos – não que eles não tenham aparecido. Afinal, a arte imita a vida, e vice-versa.
Os louros conquistados nos anos 70 e 80 não formam, nem de longe, o todo do maior galã da história do Brasil. Depois do auge, ainda vieram participações mágicas em “Rei do Gado” (1996), “Torre de Babel” (1998), “A Muralha” (2000), “Um Só Coração”, “Senhora do Destino” (2004) e até no recente “Orgulho e Paixão” (2018).
Seu desfile pelas artes dramáticas ainda o brindou com diversas atuações ao lado da não menos brilhante, Glória Menezes, inclusive em “Tarcísio & Glória – série de 1988, dedicada ao casal.
Aliás, até o fim, seu par romântico o acompanhou, na alegria ou na tristeza – na dependência da vacina – e na esperança de sobreviver.
Enquanto Tarcísio Meira se torna mais um dos nomes imortais de nossa cultura, só nos resta orar para que acontece a glória divina. Que Glória Menezes esteja ainda conosco para relembrarmos “Independência ou Morte” mais uma vez no próximo 7 de setembro.
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