Tratamento precoce de Covid-19 foi algo defendido muito timidamente pelo Ministério da Saúde no início da pandemia, não porque os remédios já tivessem virado arma política naquela época, mas porque ainda eram apenas uma aposta de parte da comunidade médica e científica no combate ao coronavírus.
Pouco mais de oito meses depois de registrados os primeiros casos no Brasil as autoridades que comandam o Sistema Único de Saúde (SUS) adotaram abertamente a defesa do tratamento precoce. A hashtag #FiqueEmCasa foi atualizada para #NãoEspere na imagem de perfil do canal do YouTube do Ministério da Saúde.
| Cristina Graeml
A orientação inicial, do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, pedindo para pessoas com sintomas de gripe ficarem em casa e só procurarem o médico se tivessem falta de ar foi substituída pelo apelo para que todos procurem um médico ao menor sintoma de gripe.
Na semana passada alguns dos sete secretários do Ministério da Saúde, que são médicos especialistas, deram uma entrevista coletiva para fazer uma balanço do combate à Covid no Brasil. A entrevista só teve repercussão na imprensa e nas redes sociais pelo que foi dito sobre as vacinas, foco de todas as atenções no momento.
Mas nessa coletiva ficou muito clara a atual posição do Ministério da Saúde em relação ao tratamento precoce da doença. Antes de reproduzir exatamente o que disseram os secretários quero falar das notas informativas do Ministério da Saúde sobre Covid-19, que servem para orientar médicos de todo o país.
Notas informativas Coronavírus e Covid-19
Desde março, quando a pandemia chegou ao Brasil, as notas informativas do Ministério da Saúde já passaram por várias atualizações. Quem não lembra do protocolo divulgado em maio pelo atual ministro Eduardo Pazzuelo, semanas depois da saída de Nelson Teich, sugerindo o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina na fase inicial da doença?
A nota informativa n°9 foi alvo de muitas críticas sob alegação de que não havia evidências científicas de que o uso dos remédios pudesse funcionar. Fato é que na época do ministro Mandetta o protocolo também recomendava a prescrição destes mesmos remédios só que para pacientes graves e isso acabou mesmo sendo comprovado que não dava resultado, o paciente não melhorava.
Com a mudança no ministério a hidroxicloroquina deixou de ser usada em pacientes internados, com falta de ar e com vários órgãos comprometidos. O passo seguinte foi o protocolo para que o medicamento fosse prescrito a doentes na fase inicial, logo nos primeiros dias de sintomas de gripe.
Aquela primeira nota informativa do ministro Pazuello trazia até a indicação da dosagem dos remédios para auxiliar os médicos que quisessem prescrever o tratamento precoce. De lá para cá o Ministério foi atualizando as informações. Elas agora já incluem vários estudos publicados nos últimos meses que comprovaram a eficácia do remédio quando usado nos primeiros dias de sintomas.
Para se ter ideia de como as pesquisas evoluíram, na nota informativa de maio o Ministério da Saúde apresentava 14 justificativas para a adoção daquele protocolo médico. Agora o documento mais recente (nota informativa nº 17/2020) apresenta 31 itens.
Justificativas para tratamento precoce
Entre as novas justificativas para a recomendação do uso de hidroxicloroquina combinada à azitromicina no início dos sintomas está o fato de que, agora se sabe, pacientes com COVID-19 podem piorar muito rapidamente. De um dia para o outro o quadro de sintomas leves pode evoluir direto para a fase da falta de ar, que exige internação hospitalar.
Assim, a combinação de um antiviral (hidroxicloroquina) com um antibiótico (azitromicina) é para impedir o avanço do vírus e combater as infecções que ele provoca.
Outra justificativa mencionada pelo Ministério da Saúde é que diversas instituições nacionais e internacionais estão há meses usando cloroquina ou hidroxicloroquina com extremo sucesso na recuperação de pacientes. O principal motivo apresentado agora telvez seja, porém, um artigo científico específico, considerado a pá de cal na narrativa de que a Ciência não tinha conseguido provar a eficácia do uso de remédios na fase 1 da doença.
O artigo foi publicado pela Escola de Saúde Pública de Yale (New Haven, Connecticut - EUA). A nota do Ministério da Saúde cita que os pesquisadores avaliaram 300.000 doentes infectados, através de 5 estudos, incluindo 2 ensaios clínicos controlados.
Eles demonstraram eficácia significativa no tratamento ambulatorial com uso de hidroxicloroquina, concluindo que o remédio deve estar “amplamente disponível e ser distribuído imediatamente para prescrição médica.”
Ainda nos itens de justificativa para recomendar o tratamento precoce com hidroxicloroquina o Ministério da Saúde reforça que esse remédio não apresenta contraindicações nem durante a gestação. E lembra que vem sendo usado com segurança há 80 anos em gestantes com doenças autoimunes sem que, até hoje, nenhum estudo científico tenha associado o uso da do remédio a má-formação do bebê.
Segurança e eficácia
Todo mundo sabe que os remédios mais seguros são aqueles que não têm contraindicação nem para gestantes, então não deveria mais haver questionamentos sobre a segurança do uso da hidroxicloroquina. Já foi descartado também o suposto risco de arritmia cardíaca que se cogitou no início, porque na bula está escrito que esse pode ser um efeito colateral, embora extremamente raro.
É claro que pacientes cardíacos precisam de avaliação específica, e que ninguém deve tomar remédio sem consultar um médico antes, mas em relação a esse medo específico cardiologistas já vieram a público dizer que prescrevem hidroxicloroquina para seus pacientes e nunca registraram um único caso de arritmia por causa do uso do remédio.
O presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, Dr. Antonio Carlos Lopes, foi um dos que deram entrevistas relatando prescrever esse mesmo remédio há 40 anos sem ter tido um único caso de paciente que apresentou arritmia ou outro efeito colateral grave.
Quanto à eficácia, a polêmica criada no início da pandemia estava relacionada ao fato de a hidroxicoloroquina ter sido usada, sem sucesso, em pacientes internados, em fase aguda de Covid. Pesquisadores e médicos concluíram que não fazia sentido mesmo usar um antiviral quando o vírus já havia se espalhado pelo organismo.
Mas se era um antiviral conhecido e poderoso no combate a outras doenças, por que não testar contra o coronavírus logo após o contágio, quando ele ainda está tentando se multiplicar no corpo hospedeiro? Este foi o motivo da mudança de protocolo para ser usado logo após os primeiros sintomas de gripe, ainda que leves.
Os estudos mencionados como justificativa para a atualização da nota informativa do Ministério da Saúde indicam que a replicação viral foi controlada em pacientes medicados logo no início da doença, tanto que caiu drasticamente o índice de internações e de mortes nas cidades que adotaram o tratamento precoce como padrão.
Meses atrás, em outro artigo, citei o caso de Belém do Pará. No portal da transparência dos cartórios de registro civil, que fazem os registros oficiais de óbitos conforme a data em que ocorreram, o gráfico mostra a queda drástica no número de mortes por Covid na cidade depois de maio, quando as pessoas começaram a receber kits de remédios assim que chegavam ao médico com qualquer sintoma de gripe.
Gráfico de mortes por Covid-19 em Belém (PA) mostra queda acentuada após a cidade adotar o tratamento precoce| Reprodução
Cito Belém, mas há várias outras cidades pelo Brasil que nem sabem o que é a tal segunda onda, que está sendo registrada onde o tratamento precoce ainda é considerado como tabu.
Para não haver dúvidas em relação à segurança e à eficácia do protocolo que recomenda a hidroxicloroquina na fase 1, a última nota informativa do Ministério da Saúde traz os links para acesso a 93 estudos com resultados positivos em pacientes com sintomas leves e comunicados de sociedades médicas garantindo autonomia a profissionais de saúde que queriam tratar seus pacientes.
Secretários do Ministério da Saúde defendem tratamento precoce
Durante as quase duas horas de entrevista coletiva para fazer o balanço da Covid-19 no Brasil por várias vezes os secretários do Ministério da Saúde reforçaram o pedido para que fosse divulgada a recomendação ao tratamento precoce. Eles enfatizaram que as pessoas com sintomas de gripe ou suspeita de Covid não devem ficar em casa esperando para ver se a situação se agrava.
Para os mais relutantes em sair de casa por causa de uma tosse fraca ou um congestionamento nasal que não chega a incomodar vale lembrar que até o SUS oferece consultas por telemedicina. E mesmo à distância o médico pode avaliar se há recomendação de remédios em cada caso.
O secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, mostrou um gráfico da queda da letalidade ao longo das chamadas semanas epidemiológicas. O gráfico mostra que, em relação ao número de doentes confirmados, a proporção de mortos começou a cair exatamente a partir da semana de 18 de abril, já com o ministro Pazuello no comando do Ministério da Saúde e mais intensamente a partir de 20 de maio, com o início do tratamento precoce.
Gráfico de redução da letalidade de Covid-19 no Brasil| Reprodução
“Nós sabemos que houve um acréscimo na quantidade de casos. Nós tivemos um pico no mês de julho, depois ficamos num platô. E a gente viu que a letalidade vem diminuindo. Isso é uma curva de aprendizado e merece destaque o tratamento precoce e merece destaque o manejo clínico", disse o secretário.
Ele também apresentou a atual taxa de recuperação de doentes no Brasil, que está em 90%. De mais de 6 milhões e 200 mil casos confirmados na data da entrevista, cerca de 5 milhões e meio já tinham se recuperado e perto de 700 mil ainda lidavam com a doença.
Os secretários lamentaram as mortes por Covid-19, que estavam em 172 mil naquele dia 27 de novembro. Mas o Brasil, que já esteve em 4° lugar do mundo em número de mortes por milhão de habitantes, hoje está em 10°. Muitos atribuem a queda ao avanço da aceitação de tratamento precoce.
O mais enfático na defesa do uso do protocolo de hidroxicolorquina e azitromicina já nos primeiros sintomas foi o Secretário de Ciência e Tecnologia, Hélio Agnotti.
“O caminho está traçado. Tratamento precoce, busca de uma vacina, medidas de higiene: evitar tocas os olhos, tocar a boca, higiene das mãos. Hoje em dia, diante das evidências que se colocam, o que se tem até em termos éticos, não cabe mais falar em placebo, não cabe mais falar em fazer testes e não dar medicação para um tratamento precoce. O tratamento precoce é feito a partir do sintoma. O paciente apresentou sintoma, fez o diagnóstico clínico você já está apto a tratar. Isso é boa medicina. E a boa medicina baseada em evidências."
"Hoje, diante das evidências que temos, é que esse tratamento é benéfico, ele diminui hospitalização pelas evidências existentes e com bom grau de segurança, ele diminui a chance de alguém morrer. Não é uma cura definitiva, mas ele diminui a chance de a pessoa morrer. Isso precisa ficar bem claro. Todas as evidências de tratamento precoce, na dose certa, mostram isso, então isso tem que ser muito bem esclarecido.”
Hélio Angotti Neto, Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde
O secretário também enfatizou que, "por uma questão de justiça e de equidade", o governo disponibiliza para pacientes do SUS o mesmo remédio prescrito por médicos particulares para pacientes de plano de saúde. E já entregou quase seis milhões de comprimidos de cloroquina e 300 mil de hidroxicloroquina para estados e municípios que fizeram pedidos.
Como o STF decidiu que governadores e prefeitos têm autonomia para determinar as políticas locais de saúde, em muitas cidades o tratamento precoce não está sendo feito e até hoje a população não encontra hidroxicloroquina nos postos de saúde, tem que comprar caso queira se tratar precocemente.
Esta é uma decisão pessoal. Cabe a cada um decidir se quer se tratar mesmo que os sintomas sejam leves ou se prefere esperar para ver o que acontece, mas é importante lembrar que automedicação não é uma prática segura. A recomendação é sempre a de procurar um médico para que ele indique qual remédio tomar, em que quantidade e por quanto tempo.
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Cristina Graeml
Cristina Graeml é jornalista formada pela UFPR (1992). Trabalhou como repórter de TV por 26 anos, fazendo coberturas nacionais e internacionais. Em 2010 fez parte da equipe que ganhou o Prêmio Esso e o Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, entre outros, pela série Diários Secretos da Assembleia Legislativa do Paraná. Está na Gazeta do Povo desde 2018. **Os textos da colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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